
Marcionílio tem uma trajetória fundamental na música baiana,
sendo um dos primeiros cantores negros a protagonizar um trio elétrico na
Bahia. Ex-vocalista da Banda Eva e do trio Tapajós, o artista foi eleito Cantor
Revelação do Carnaval de Salvador e se tornou uma das vozes mais autênticas do
Axé Music.
Com uma história marcada por desafios e resistência, o
artista construiu sua carreira entre o interior da Bahia, o Pelourinho – onde
foi acolhido por uma comunidade rastafari –, a Argentina e os grandes palcos da
maior festa de rua do mundo: o carnaval de Salvador - onde realizou em 2025,
três apresentações.
O cantor foi entrevistando no programa Folia Geral,
apresentando por Reginaldo Júnior, na Rádio Geral.
Precursor do Axé
Music
Nascido em Itabuna, em 9 de abril de 1960, Marcionílio
cresceu na Mangabinha, bairro periférico que, nos anos 70, se tornou um celeiro
musical após a comunidade, em busca de lazer e cultura, criou um espaço de
encontro que, inicialmente, abrigava festas e eventos informais. O local,
inicialmente um barraco de madeira, foi transformado em um dos maiores pontos
de encontro musical da região, reunindo músicos e artistas de diversas partes
do Brasil.
Marcionílio afirma que esse movimento atraiu artistas como
Luiz Caldas, Norberto e Zé Paulo, formando um polo cultural que impulsionaria o
nascimento do Axé Music. Esse ambiente de efervescência cultural e mistura de
ritmos foi crucial para a formação dos artistas, inclusive ele que, anos
depois, se tornaria uma das principais figuras do gênero.
"O bairro se
tornou musical, veio músicos de todo lado. Dentre eles, estão artistas da Axé
Music. Luiz Caldas e a família inteira migraram pra lá pro meu bairro. O cantor
Zé Paulo também, porque passou a ser cantor de uma banda. O movimento musical
por lá fazia tanto sucesso, que quem estava próximo era sinônimo de que em
algum momento ia ter trabalho e ia tocar", relembra Marcionílio.
Nos anos 1980, Marcionílio começou a cantar em trios
elétricos e rapidamente se tornou uma figura de destaque no cenário musical. Em
uma época em que os trios eram dominados por cantores brancos, ele foi um dos
primeiros negros a se destacar, enfrentando resistência e até repressão
policial.
"Nessa época que
eu apareci cantando num trio elétrico, não existiam negros cantando em trio
elétrico, rasta, com o cabelo dread porque era perigoso. A polícia pegava as
pessoas negras, assim como eu, e prendia simplesmente para cortar o cabelo de
facão", conta.
Ascensão da carreira
e a passagem pela Banda Eva
Marcionílio passou por trios importantes, como o Tapajós,
antes de ser convidado para ser vocalista da Banda Eva, que era um dos blocos
mais elitizados do Carnaval de Salvador. Sua entrada representou uma mudança
significativa, já que o bloco era frequentado majoritariamente por brancos e
escolhia seus membros a partir da aparência.
"O Bloco Eva, que
era um bloco de ricos, brancos, escolhiam os associados pela fotografia, pela
aparência. E eu fui contratado para cantar ali, onde não existiam negros.
Então, o paradigma aí foi maior ainda. No Carnaval de 86, eu fui escolhido o
melhor cantor do Carnaval de Salvador. O cantor revelação, no primeiro ano, com
o Eva", lembra o artista.
Posicionamento
artístico
A postura combativa de Marcionílio dentro da indústria
musical acentuou ainda mais os desafios. Em 1988, ele lançou "Queira ou
Não Queira", música de Jorge Portugal e Roberto Mendes, que trazia uma
crítica explícita ao racismo estrutural.
"Essa música foi um marco. 'Você desbota a minha cor
para colorir seu carnaval'. O que é bom para você não é bom para mim. Quando eu
começar a ser, será o seu fim'. Pronto, isso foi o bastante para a minha
relação com os blocos de carnaval ficarem complicadas e eu nunca mais, depois
dessa música, consegui fazer mais nada com os blocos", conta.
Nos anos 1990, Marcionílio viu sua presença no cenário
baiano diminuir e decidiu buscar oportunidades no exterior. Ele se mudou para a
Argentina, onde permaneceu por sete anos, tocando e compondo.
"Eu fui viver
fora do Brasil nesse momento. Fui para Argentina cantar minhas músicas, compus
e cantei com um guitarrista argentino e tentei montar uma banda em Salvador na
década de 90, mas não foi possível porque não nos deram importância, porque o
Axé Music é que estava em alta", explica.
Ao retornar ao Brasil, enfrentou um dos momentos mais
difíceis de sua vida: sem espaço na indústria musical, acabou vivendo nas ruas
do Pelourinho.
"Vinte anos
depois de ter cantado no Eva, eu também vivi nas ruas do Centro Histórico de
Salvador. Terminei ficando numa situação bem complicada. E fui acolhido por uma
favela que tinha no Pelourinho, chamada Rocinha do Pelourinho, onde havia uma
comunidade rasta. E aí eu fui conhecer o gueto e me transformei num músico dos
pobres, do gueto da favela", relembra.
Apesar das dificuldades, Marcionílio seguiu na música. Em
2003, lançou "Caluda Banda Nave", um álbum que mistura flamenco,
soul, rock n roll e Axé Music. Nos últimos anos, tem se dedicado à produção
independente e ao resgate de sua trajetória musical.
Com mais de 40 anos de carreira, Marcionílio Prado segue
como uma das figuras mais autênticas e combativas da música baiana. A história
do artista se confunde com a própria origem do Axé Music. Atualmente, Marcionílio trabalha em novas
composições e se mantém firme no propósito de preservar sua arte e história.
Micareta e Nova
musica
A primeira micareta de Marcionilio foi em 1984 com o trio
Tapajós. O artista já se apresentou cerca de 20 vezes na festa. Em 1987 foi a
participação mais memorável, segundo o artista, que teve o nome estampado pela
primeira vez na festa: Marcionílio e Banda Eva. Era uma super banda com Daniela
Mercury fazendo o back vocal e cantando com Marcionílio e Carlinhos Brown na
percussão, dentre outros.
A canção “Me Queira”,
composta em 2016, em homenagem a micareta de Feira foi criada por Marcionilio
Prado e Caíque Marques. A composição será lançada às vésperas da festa 2025, em
que Marcionilio se apresentará. O show
está marcado para sexta-feira, 2, segundo dia da festa, às 18h, no Circuito
Charles Albert.